E vamos de musiquinhas do mês de julho.
A primeira vez que eu ouvi Wild Seed (1995) do Morten Harket, estava sozinha em Dourados no apartamento super aconchegante de uma amiga. A cólica menstrual estava me comendo viva e além do stress causado pela dor em si, tem toda a loucura que me acomete nessas ocasiões. Já na primeira faixa eu fiquei ????? Meu deus, que coisa linda é essa? Deixei a luz do cômodo baixa, e fui acompanhando as letras no celular enquanto dançava. Foi um momento interessante: eu não sabia se estava feliz, triste ou irritada.
Depois desse episódio, eu continuei a ouvir esse álbum com bastante frequência, até o dia em que escrevo essa newsletter. Acontece que uma sombra do passado retornou para nublar meu céu. Quer dizer, minha visão tem estado turva há algum tempo, acho que as lágrimas às vezes embaçam nossa capacidade de enxergar a vida com clareza. Sabe quando você esquece a janela do seu quarto aberta e sai de casa pensando “está um sol de rachar, não tem problema” e do nada o tempo muda, chove, venta muito e molha a sua cama? Quando você chega em casa desesperado, limpa e seca o quarto e fica tudo bem, problema resolvido. O transtorno foi tão grande que você irá se lembrar de fechar a janela da próxima vez, ufa, mas aí tem o colchão molhado que precisa de uns dias para secar completamente e você é obrigada a dormir nele porque não tem outro. Pois então, nesse momento eu durmo em um colchão molhado porque embora eu tenha fechado a janela, a água absorvida demora um tempo para secar, principalmente a espuma do interior. Um dia, uma amiga veio em casa, sentou na minha cama e percebeu ela levemente úmida. Ela me perguntou o que aconteceu e eu contei que quando o colchão finalmente secava eu me fazia o favor de esquecer a janela aberta. “Você nunca se esquece de nada, Borges escreveu Funes, O Memorioso inspirado na sua memória. Você só se esquece disso” E ela tinha razão. Sempre que a água da chuva entrava pela minha janela, eu dormia no colchão úmido e gelado e acordava no meio da noite com meu peito chiando, tateando no escuro atrás da bombinha de asma que fica no meio dos meus livros, em cima do banco ao lado da cama.
Esse disco tem representado para mim essa sensação incômoda de dormir em um colchão molhado, esperando que ele enxugue o mais rápido possível. Não sei se o Morten pensava em alguém ou em alguma situação específica quando escreveu essas músicas, mas melancolia delas me faz pensar em coisas que foram e não são mais; nas coisas que sabemos que não tem como mudar, mas ainda assim a gente deseja de alguma forma que aquilo pudesse ser recuperado.
Amo como o Morten parece ser uma pessoa sensível e como esse disco conseguiu mostrar que ele não era apenas um cara bonito com uma voz legal em uma banda de sucesso nos anos 80 - e tudo bem se ele fosse "apenas" isso, mas pelo pouco que conheço dele, e digo pouco porque eu sou fã não uma amiga íntima - isso é algo que o incomodava. Antes desse álbum ele lançou o Poetenes Evangelium (1993) cantado em norueguês, algo que particularmente acho bem legal. Absolutamente todas as bandas que não são norte-americanas precisam lançar álbuns em inglês para alcançar o sucesso internacional - mas esse papo fica para outro dia. Depois vem o álbum de hoje, o Wild Seed, que por sua vez foi lançado em inglês e claro, teve mais sucesso comercial. Sinceramente não encontrei muitas informações sobre ele, apenas que Morten se inspirou em alguns poetas e poemas para escrever as letras.
Termino essa newsletter pensando se algum dia eu esquecerei a janela aberta novamente, em um dia ensolarado em que o santo que abre as comportas do céu resolver me enganar e mandar uma chuva torrencial. Pensando se mesmo depois de muito esforço e tempo para a espuma do colchão secar eu terei que dormir nele úmido novamente. Porque eu sei que ele vai enxugar, mas e depois? Falando em água e panos e espumas molhadas, me lembrei do Arnaldo Baptista, será que vou virar bolor?
Você pode ouvir essa música aqui e conferir a tradução aqui, se quiser.
Você pode ouvir essa música aqui e conferir a tradução aqui, se quiser.
É isso por hoje, tchau.