Só para relembrar os títulos do mês de maio. 🕺🕺🕺
Quando eu era criança morei em uma casa de madeira grande e esquisita, que eu odiava. Detestava o amarelado das paredes do banheiro; o pé de manga gigantesco que quando carregado, enchia o chão de frutas que ninguém vencia recolher e apodreciam juntando um monte de mosquinhas; detestava os donos folgados, chatos e barulhentos que moravam no mesmo quintal, ao fundo, em uma casa ainda mais decadente que a minha. A única coisa que eu gostava da algazarra que aquele povo chato fazia era o fato de que eles escutavam Scorpions em um volume ensurdecedor.
Foi o meu primeiro contato com a banda. Esse nome é perfeito, é sonoro, é fácil de lembrar, é gostoso de falar e uma vez que você escuta, ele fica gravado na sua cabeça. Depois de uns tempos, quando eu nem morava mais nessa casa, lembro de talvez ter visto Wind of Change em alguma propaganda na TV, de algum disco de rock que eu queria muito comprar.
Beleza.
O tempo passou e quando eu finalmente tive internet em casa, no meio das minhas pesquisas sobre Bon Jovi e Guns N’ Roses, esbarrei com Scorpions. É claro, aquela velha paixão ressurgiu, o furor dos riffs de guitarra e a voz anasalada do Klaus figuravam em todas as seleções de música que eu porventura montasse no antigo Windows Media Player ou no Kboing! (se você não sabe o que é isso, te informo que são um programa e site, respectivamente, utilizados pelos antigos maias e egípcios para ouvir música).
Em 2019, eu realizei um dos meus sonhos: ir a um show do Whitesnake + Europe, duas bandas muito importantes na minha formação como fã de hardrock, e advinha quem estava lá também? Isso mesmo, o Scorpions. Lógico que eu estava super animada para ver eles, afinal, também eram parte da minha trajetória, mas as outras bandas ofuscaram um pouco esse momento. Claro que o show foi incrível, e eu amei, mas permaneci no senso comum conhecendo apenas os grandes hits.
Esse ano eu resolvi passar um óleo de peroba na minha cara de pau e pegar a discografia dos caras para ouvir desde o começo, e só posso dizer: PUTA QUE PARIU. O primeiro álbum, Lonesome Crow (1972) é simplesmente um disco de progressivo. É quase inacreditável quando a sua porta de entrada no universo dos escorpiões foi Rock You Like a Hurricane ou aquelas baladas de arrastar o chifre no chão como Always Somewhere ou Still Loving You.
Essa surpresa foi bem recebida da minha parte e eu nem sou grande fã de progressivo. Acho UM SACO, UM PORRE, UMA CHATICE SEM FIM. Não vou dizer que todo e qualquer tipo de prog me irrita (eu sou pirada por Rush e UFO, por exemplo), mas os progressivos mais “clássicos” tipo Yes, Genesis e King Crimson meu deus, faz meus ouvidos sangrarem (dois adendos: 1° eu AMO Yes e Genesis na fase anos 80, que é justamente quando eles ficam mais pop e se distanciam do prog; 2° gosto muito do In the Court of the Crimson King, o disco de estreia do King Crimson e entendo a importância e força desse som, mas tirando isso, eu corro do reinado carmesim).
ATENÇÃO PARA O MOMENTO
Dizem que Pink Floyd não é progressivo. Porém, vou deixar essa informação aqui, você se vira aí para descobrir o motivo.
Até ai tudo bem, mas que diabos é rock progressivo? Esse era um estilo muito popular nos anos 70 que tinha como características principais letras elaboradas, enigmáticas e abstratas; músicas gigantescas; um namoro sério e duradouro com a música clássica e todos os seus componentes; muita variação durante a execução das faixas; virtuosismo em todos os instrumentos; bastante destaque para os instrumentos mais “tecnológicos” como teclado e sintetizador; muita referência ao jazz; e muita experimentação.
Ok, mas voltando para o Scorpions: o Lonesome Crow é um progressivo muito gostoso de ouvir. As melodias são pesadas, dolorosas, é quase um lamento, uma trova de coração partido. As letras em si são simples, mas a forma como o Klaus rasga a voz acompanhada do choro de todos os outros instrumentos é fascinante. E eu acho isso lindo. Adoro sofrer ouvindo música, ter a sensação louca de que tem uma flecha atravessando meu peito em cada nota, é o que me faz sentir viva, por mais contraditório que isso possa parecer. A formação da banda nesse primeiro momento era composta por Lothar Heimberg (baixo), Rudolf Schenker (guitarra), Michael Schenker (guitarra), Klaus Meine (vocais) e Wolfgang Dziony (bateria). Os Schenker, são exímios guitarristas e irmãos, muito embora se odeiem e vivam trocando farpas na mídia. O Rudolf continua no Scorpions até hoje, já o Michael saiu logo após esse primeiro álbum e foi para o UFO, retornando depois apenas para gravar algumas faixas do Lovedrive (1979). Já o Lothar e o Wolfgang, abandonaram a vida de músicos, ao que se sabe. E o Klaus é o Klaus, galera mulheres, um homenzinho de 1.63m, com um vozeirão, simpático e com muita lenha para queimar.

Depois disso, eles continuam flertando um pouquinho com o prog, passam por um heavy metal mais clássico,(digamos assim) até encontrar o avassalador anos 80. Como uma banda alemã, você pode ter certeza que eles só alcançaram grande projeção porque se renderam hardrock visto que, nos anos 80, esse era o estilo dominante no mercado norte-americano, que por sua vez é o maior e mais disputado. O hardrock era o que o sertanejo universitário é hoje no Brasil, digamos assim. O engraçado é que parece que essa transição nos escorpiões foi gradual: a cada álbum que você escuta é possível notar a diferença e a evolução do som, mas é algo sútil e delicado - muito diferente do que aconteceu com a maioria das bandas 70's antigas que enfrentaram a transição para os 80's.
Enfim, o Scorpions com certeza é uma banda complexa, incrível e cheia de composições que ninguém lembra que existe. No mês de maio eu ouvi bastante outros discos deles como o In Trance (1975), Virgin Killer (1976), Lovedrive (1979), Animal Magnetism (1980), Blackout (1982), Love at First Sting (1984) e Savage Amusement (1988). As capas dos discos são, quase todas, lindas. O Scorpions, como toda banda de macho, tinha um costume idiota de sexualizar as mulheres nas capas dos discos, mas isso foi longe demais no Virgin Killer em que eles simplesmente colocaram uma criança, obviamente menina, pelada na capa do discos. Essa capa foi tirada de circulação e substituída por outra, assim como a capa do In Trance em que uma mulher, mas dessa vez adulta, aparecia com o seio de fora. Nada contra nudez, mas se tratando de uma banda de homens e de um gênero como o rock, que majoritariamente é usado para afirmar a masculinidade, é de se ficar com os dois pés atrás. Mas enfim, tirando o mau gosto quase criminoso da capa do Virgin Killer, todas as outras são belíssimas. Essas são minhas favoritas:
Para fechar com chave de ouro, você precisa saber que as baladas do Scorpions tem versões INCRÍVEIS nas mãos das bandas de forró brasileiras. Simplesmente um tesouro nacional. Nesse vídeo, uma molecada sortuda teve o prazer de mostrar essa peculiaridade ao próprio Klaus. Vale muito a pena assistir!
É isso por hoje, tchau.