Roger Waters, O Abominável Dr. Phibes, CPI da COVID & Power Metal
Das minhas diversas vontades relacionadas ao mundo da música como tocar um instrumento, ter vinis ou conhecer um dos meus ídolos e nos apaixonamos perdidamente (risos), ir a shows ao vivo em grandes estádios, rodeada de uma multidão a perder de vista sempre foi um dos meus maiores desejos. Eu nasci no interior de um estado, que por sua vez é no interior de todos os estados, em que bandas de grande porte jamais chegarão perto. E ainda que chegassem, sabemos bem que ingressos para shows no Brasil são caros, afinal de contas, (alerta de ironia) pobre não precisa de lazer. Somando as duas coisas: valor dos ingressos + me deslocar para um grande centro = algo muito caro para quem ganha um salário mínimo.
Bem, um sonho é um sonho e um dia a oportunidade apareceu: Roger Waters com a Turnê US + THEM, em Curitiba, 2018. O Pink Floyd é uma banda muito significativa para quem gosta de rock e, mesmo que você não curta o som deles ou não seja um grande fã, eles provavelmente tem alguma influência na sua vida. E era esse o meu caso: eles não eram a minha banda favorita, mas eram uma banda importante para mim de alguma forma. Fui meio às cegas. Comprei o ingresso, parcelei em muitas suadas vezes e passei o resto dos meses até o show me aprofundando na obra da banda e Waters em sua carreira solo. Confesso que amei e estava ansiosa pela grande noite, para entrar no estádio de futebol e ver toda aquela estrutura pronta, para cantar as músicas com a multidão… Naquela semana choveu todos os dias, disseram meus colegas que moravam em Curitiba, mas exatamente na data do show o sol deu as caras e a noite estava linda e estrelada. Coincidência ou não, o evento aconteceu em 27 de outubro de 2018: um dia antes do segundo turno das eleições que elegeram o capeta da república para presidência do país (desculpe pela ofensa, Satanás). Os shows do Waters estavam repercutindo bastante devido às suas críticas a governos fascistoides e autoritários pelo mundo, inclusive à ascensão da extrema direita no Brasil e a Bolsonaro. Por incrível que pareça, ouvintes de Pink Floyd durante 50 anos foram capazes de pagar caro em ingressos para vaiar, isso mesmo, vaiar Waters. Gente tão esperta e cheia de si, jura de pés juntos que música não tem nada a ver com política e mesmo tento a seu dispor 5 décadas nunca se deu ao trabalho de pesquisar sobre a banda ou suas letras. O clima de desesperança, de golpe e de colapso do pouco que o Brasil havia conquistado em termos de direitos das minorias e diminuição das desigualdades sociedades era palpável. Pelo menos para mim e para as meninas que conheci enquanto esperava o show começar. Com certeza o velho bolsonarista na nossa frente discordava.
Curitiba era a penúltima cidade no roteiro da turnê de Waters pelo Brasil em 2018 e, como o show foi no sábado, um dia antes do segundo turno das eleições presidenciais, a Justiça Eleitoral proibiu Waters de fazer qualquer manifestação de cunho político explícito após as 22h. O show estava marcado para começar às 21:30h e como que para honrar a famosa pontualidade inglesa, o primeiro acorde soou não às 21:29h nem às 21:31, mas às 21:30h. Salvo engano, a primeira música que tocou foi Breathe. Ai ai, que momento. Quando faltava apenas alguns segundos, isso mesmo, segundos para as 22h, as luzes do palco e dos telões se apagaram, a música parou e um barulho ensurdecedor de sirene ressoou pelo estádio. Os telões se acenderam novamente e a seguinte mensagem foi exibida:
Só quem esteve lá e se emocionou - ou morreu de raiva - para entender a intensidade desse momento. Depois disso o espetáculo seguiu com momentos épicos e conhecidos dos shows de Waters como o porquinho voando em cima da platéia em Pigs, o coro de crianças cantando Another Brick on the Wall, as chaminés subindo no telão em Dogs e a pirâmide projetada no final. Foi um privilégio, e dos grandes, ter tido uma experiência tão grandiosa como essa no primeiro grande show que eu pude assistir.
No ano seguinte, 2019: Whitesnake + Europe + Megadeth e Scorpions no Rock Fest em São Paulo. Bons e fortes motivos para despertar meu interesse, principalmente pelo Whitesnake, uma das minhas bandas favoritas. O grupo que abriu o festival no dia era uma tal de Armored Dawn, cujo vocalista é Eduardo Parrillo, irmão do também roqueiro Fernando Parrillo da banda Dr. Pheabes. As bandas tentaram emplacar nas paradas de sucesso, mas o que as deixou famosa não foi o talento musical e sim o mau caráter revelado na CPI da COVID. A relação entre uma coisa e outra é que os irmãos Parrillo são donos da Prevent Senior, uma seguradora de saúde que cometeu diversas atrocidades em relação a pandemia como por exemplo, a distribuição do kit covid. Ao que tudo indica, em algumas oportunidades, a Prevent Senior prestava assistência médica em festivais, como o Rock in Rio, em troca de um espaço para as bandas tocarem. A Dr. Pheabes, aliás, é um nome infame dada as circunstâncias: é inspirado no filme O Abominável Dr. Phibes (sim, as grafias são diferentes) de 1971, protagonizado por Vincent Price, em que um médico musicista mata indivíduos ao invés de preservar suas vidas.
Chegou o grande dia. Chamei um carro de aplicativo; o motorista ouvia a KissFM e o locutor sorteava ingressos para o show. Me senti no Detroit Rock City. Cheguei no estádio toda animada e assisti metade do show dos kit covid. Em seguida, o Europe entrou em cena. Joey Tempest maravilhoso, cantou e dançou como ninguém. Inteiraço! Surtei cantando Carrie. Foi demais!
Em seguida, Helloween que tinha sido escolhida para substituir o Megadeth porque o Dave Mustaine ficou doente na época. Eu só conhecia I Want Out e não sabia nada sobre a banda, mas que surpresa incrível! Que presença de palco! Que carisma! Eu me encantei em um nível indescritível. Quando o show deles acabou, eu estava devastada. Que banda fantástica! Daí em diante, me tornei fã. Enfiar uma banda de power metal no meio das clássicas do hard rock parece ter sido uma surpreendente combinação que deu muito certo.
Então veio o Whitesnake, o motivo maior da minha ansiedade. Ai, sério, só faltei chorar. Cantei, pulei, dancei muitoooo. Quando tocou Is This Love eu quase desmaiei. Eu nunca vou esquecer. Foi fantástico. O Whitesnake é uma das minhas bandas do coração e uma das principais responsáveis por eu gostar tanto de hardrock então foi muito especial vê-los ao vivo. Só teria sido melhor se o Steve Vai estivesse junto. O David Coverdale foi criticado por desafinar aqui e ali, mas sinceramente, acho que essa é a graça e magia do ao vivo: são pessoas reais, imperfeitas executando música. E outra né, vamos combinar, o David tem mais de 60 anos e está bem demais depois de tantas décadas cantando. E a noite se encerrou com chave de ouro com Scorpions, que dispensa comentários (já escrevi sobre eles aqui).
Como eu me surpreendi e muito com o Helloween, decidi que eu merecia ir em um show deles como fã, e depois dos terríveis anos de 2020, 2021 e 2022 que se seguiram após o Rockfest, o merecimento era ainda maior. A banda anunciou show em São Paulo, no dia 09 de outubro de 2022, no Espaço Unimed e lá fui eu. Nem a chuva, nem meu joelho ralado e dolorido (eu tinha caído um tombo feio no terminal da Barra Funda dois dias antes) me impediram. Uma banda da qual eu já tinha ouvido falar, mas não conhecia nada chamada Hammerfall abriu o show e, como eu tinha me surpreendido com o Helloween em 2019, decidi que também não ia pesquisar sobre eles; queria conhecê-los na hora. E foi ótimo. Eles também são muito competentes e carismáticos, me diverti bastante.
O Helloween começou o espetáculo rasgando a noite com a sonoridade aguda e cortante que só o power metal tem. As músicas são animadas e os caras são muito carismáticos: andam pelo palco o tempo todo, fazem caras e bocas, interagem com a platéia e entre si, cantam e tocam como se fosse o dia mais feliz de suas vidas. Para o meu deleite, o meu guitarrista favorito, o Sascha, ficou do mesmo lado do palco que eu estava então pude tirar muitas fotos. Além do Helloween, ele tem outros trabalhos com fotografia e com a Palast, uma banda voltada para o pop, com muita influência de new wave, da qual eu sou uma das 464 ouvintes mensais, segundo o Spotify.
Fundada em 1984, o Helloween como quase toda banda antiga, teve diversas formações ao longo dos anos. A partir de 2016, a banda investiu em reunir figuras clássicas de suas formações passadas como o vocalista Michael Kiske e o guitarrista Kai Hansen. Kiske e Hansen são membros fundadores da banda, mas estavam afastados há muitos anos até a reunião atual que conta também com: Michael Weikath (guitarrista) e Markus Grosskopf (baixo) que estão desde o início em 84, Andi Deris (vocal) que entrou em 1993, Sascha que assumiu um das guitarras em 2002 e Dani Löble na bateria a partir de 2004. Além da banda ser sensacional, essa provavelmente é a fase mais emblemática por reunir alguns dos membros mais aclamados.
Para quem é muito fã de alguma banda, é sempre fantástico vê-la ao vivo. É deliciosa a sensação de cantar no meio da multidão, de observar os olhos brilhando de emoção das pessoas ao seu redor e no caso de bandas mais antigas, ver os tiozão calvos levando os filhos para conhecer as músicas que embalaram sua juventude. É emocionante, é divertido e é um dos momentos que faz a vida valer a pena.
Desde a eleição do genocída da república, em 2018, muita coisa mudou. E para pior. A desigualdade social escalou índices vergonhosos, o desmonte de políticas públicas importantes para o país, a intolerância, as fake news, os milhares de brasileiros mortos pela COVID 19; tudo que já previmos em 2018 maximizado. Milhões de brasileiros aplaudindo a fome, a morte e a miséria. No show do Waters eu pensava que era incrível viver aquele momento, era assombroso sentir o poder das sensações, das emoções, que era importante ter alguém com projeção midiática alertando as pessoas, que ele não seria eleito… Mas ele foi, e metade da população brasileira continua achando que ele ainda é a melhor opção. De lá para cá a minha esperança minou. Eu sei que é possível se organizar politicamente de maneiras diferentes porque a história da humanidade prova isso, mas eu não vejo saída. Eu sei, é isso que eles querem, que entreguemos os pontos, que demos a batalha como vencida… Eu sei que dou a vitória a quem eu mais abomino ao dizer e me sentir assim, mas não me sinto culpada, a desesperança também é um sentimento coletivo produzido por uma época. Eu sei que é com esses tipo de gente mesquinha que compartilho as pistas dos shows e que é com eles que eu canto minhas músicas favoritas, mas pequenez seria minha se achasse que só existe esse tipo de gente no mundo e se me esquecesse que a alegria também é uma forma de subversão. Que os espetáculos “waterianos” nos façam pensar, que as baladas do hard rock nos permitam amar e os riffs intermináveis do power metal nos guiem a tempos melhores.
O texto & o tempo
No primeiro final de semana de novembro, vai rolar o evento O texto & o tempo em que eu, Victória, e outros autores de newsletters como Ana Rusche, Vanessa Guedes, Hermes Veras e Mia Sodré, iremos conversar sobre esse formato de escrita tão singular.
Quando: 5 e 6 de novembro
Onde: pelo Zoom
Quanto: 48 reais
O evento irá disponibilizar vagas sociais.
Consulte as informações no site
É isso por hoje, tchau.