Quem me conhece sabe que eu sou DOIDA pelo A-ha. A última vez que fui acometida por tamanha loucura fora em torno dos meus 13 anos, quando a obsessão era direcionada ao Guns N’ Roses. Era aquele sentimento gostoso de deslumbre e encantamento com uma banda rebelde e descolada. Me lembro com carinho, e até certa emoção dessa fase, porque deve ter sido um dos últimos momentos em que fui verdadeiramente feliz e ainda tinha esperanças de uma vida melhor ( k k k cada k é uma lágrima). Quando envelheci um pouquinho, me tornei uma chata (característica que ainda preservo) e ser fangirl de banda tornou-se uma grande bobagem. Tirando uma fase bem específica da minha adolescência, as vezes sinto que não a vivi como deveria porque tudo que eu considerava importante era estudar muito, passar na faculdade, arranjar um emprego e ganhar dinheiro (corta para agora: estou formada, com mestrado em andamento sem bolsa e desempregada). Hoje entendo que não fiz por mal, não era minha culpa, era meu contexto. Minha família sempre foi muito pobre e qualquer necessidade ou vontade que tivéssemos só era solucionada, se fosse, com muito esforço.
O tempo passou e eu simplesmente esqueci como era me sentir tão encantada com algo, até o dia em que eu reencontrei o A-ha. Digo que nos encontramos novamente porque eu já conhecia Take on Me, e Crying in the Rain sempre foi uma das minhas músicas favoritas, mas o resto da obra era ignorado por mim. Até que, há uns 2 anos atrás, resolvi ouvi-los de verdade começando pelo East of the Sun, West of the Moon (aliás, minha primeira newsletter foi falando sobre ele), o quarto álbum da banda lançado em 1990. Lembro de voltar da feira, debaixo do sol quente, carregando sacolas pesadas de verduras e legumes, ouvindo Crying in the Rain ou I Call Your Name e pensando “puta que pariu, que letras maravilhosas, que voz angelical, que instrumentos perfeitos, que rostinhos lindos”.
O A-ha é uma banda norueguesa formada por Morten Harket, nos vocais, Paul Waaktaar-Savoy, na guitarra, e Magne (Mags) Furuholmen. As origens do grupo remontam da amizade juvenil de Paul e Mags em meados dos anos 70, na Noruega, tocando em uma banda de progressivo chamada Bridges. Morten, por sua vez, era vocalista na banda Soldier Blues. Os três se conheceram e, quando a Bridges se dissolveu e Morten saiu da Soldier Blues, o trio se uniu.
Uma situação muito curiosa aconteceu entre Morten e Mags: em um dia qualquer, os dois conversavam caminhando para casa e Mags contou que seu pai, um músico de jazz, havia falecido em um acidente de avião alguns anos atrás. Morten perguntou onde o avião havia caído e, quando Mags lhe confirmou o local, ele constatou que tinha presenciado a queda e a morte do pai de seu futuro companheiro de banda. Morten e sua família, passavam de carro pela localidade em que o avião, com o pai de Mags, caíra e presenciaram toda a cena.
Em sua autobiografia, My Take on Me, Morten conta como ele e seus companheiros deixaram a Noruega para tentar o sucesso na Inglaterra. O relato é delicioso de ler e é possível enxergar muito do cenário musical que comentei na newsletter anterior sobre os góticos e o desenvolvimento do post punk. O caminho foi árduo, mas a glória um dia chegou e os meninos assinaram com a Warner Bros, originando o primeiro disco, o Hunting High and Low, de 1985.
Take on Me, o estrondoso e maior sucesso do A-ha, foi lançada como single do álbum e era, originalmente, uma música da Bridges (assim como Soft Rains of April). A música passou por várias versões ganhando inclusive um clipe (linkado abaixo), mas o estúdio não conseguiu emplacá-la como um hit. O A-ha acreditava que aquele era seu fim, ainda que mal tivesse começado.
Quando o produtor Alan Tarney entrou na jogada, tudo mudou já que ele foi o responsável por ajudar o A-ha a reformular a Take on Me e transformá-la na versão que conhecemos hoje. Todo bom single precisa de um clipe, certo? Certo, é nesse momento que Jeff Ayeroff, um dos produtores criativos da gravadora na época, mexeu seus pauzinhos e através dos animadores Candace Reckinger e Mike Patterson criaram o clipe de Take on Me através da rotoscopia. Essa técnica consistia em gravar o clipe em formato live action e depois desenhar tudo a lápis, por cima da gravação, quadro a quadro até formar uma animação. A rotoscopia era uma novidade na época e pode ser considerada uma precursora do que conhecemos hoje como captura de movimento.
O processo de transformar as filmagens em animação foi bastante demorado gerando em torno de 10 mil ilustrações, segundo Mags, e demorou 16 semanas para ser concluído. O visual do clipe era inovador e atraiu o público não apenas pela estética e pela deliciosidade da música, mas pela história. Segundo a ilustradora Cadence, a narrativa tratava de uma espécie de herói de uma realidade paralela que salvava a protagonista de uma existência monótona para viver uma aventura em outra dimensão. A modelo e atriz Bunty, a protagonista do clipe, namorou com Morten durante um tempo e também dá as caras no clipe de The Sun Always Shine on T.V. A estética de quadrinhos gerada pela rotoscopia tornou-se uma das marcas do A-ha e com frequência é referenciado em clipes e outros trabalhos1.
Os álbuns seguintes: Scoundrel Days (1986), Stay on These Roads (1988), East of the Sun, West of the Moon (1990) e Memorial Beach (1993), emplacaram hits atrás de hits antes da banda completar uma década de existência. Entretanto, as coisas não iam muito bem entre os membros, e após o álbum de 1993 o grupo entrou em um hiato que foi durou até 2000.
No documentário A-ha - The Movie (2021)2, é evidente que as desavenças eram majoritariamente em relação às composições e percepções sobre os caminhos musicais da banda. Paul é creditado como compositor da maioria das músicas, e embora ele seja um grande letrista, Mags e Morten também foram fundamentais nas composições, mas nem sempre foram devidamente valorizados ou tiveram a oportunidade de se expressar.
Isso somava-se ao fato de que Morten tinha uma projeção midiática e estética gigantesca (e sim, é porque o cara era, e continua sendo, um grande gostoso) o que por vezes ofuscava seus companheiros. No documentário, Paul e Mags afirmam não se importar com isso, na verdade, dizem até gostar porque a atenção que Morten era obrigado a dar a mídia, era algo que eles não estavam dispostos a fazer. Morten, por outro lado, em sua autobiografia, parece se incomodar já que isso o afastava dos demais membros e não lhe dava espaço para se expressar no grupo de outras formas.
O documentário que citei acima, retrata esses conflitos de maneira bastante honesta e direta, sem floreio, e demonstra que apesar do pesares, existia algo que os unia. Nessa altura, caro leitor, você dirá “Mas é claro, o dinheiro os unia” e obviamente não sou ingênua de achar que esse não era um dos motivos, afinal de contas existe grana e contratos rolando solto no meio musical. Entretanto, sinceramente acho que há algo mais, talvez até um saudosismo, uma vontade de recuperar a glória e os sonhos juvenis dos anos 80.
Na sua autobiografia e no documentário, Morten demonstra admiração e respeito pelo talento e história que construiu com seus companheiros. A recíproca de Paul e Mags por Morten é verdade, embora seja impossível não notar certa dose de ressentimento pelos rumos que a banda percorreu. No documentário, um dos fotógrafos que os acompanha desde o início diz, durante uma sessão de fotos para promover ações da banda, que é muito difícil fotografar no mesmo quadro, três pessoas que não querem ser vistas juntas.
Vejo uma mudança bem drástica nas perspectivas dos membros por meio da evolução musical. Parece que com o tempo as letras vão ficando mais maduras e sérias, assim como as melodias, embora tudo continue poético e avassalador. Até os vídeos clipes vão adquirindo tons mais tenebrosos e a expressão nos rostos dos três nos shows muda de ano em ano. É bem interessante acompanhar.
No Brasil, o A-ha fez e ainda faz muito sucesso. Nos vídeos do canal oficial da banda no Youtube, a maioria dos comentários é em português, o que demonstra a projeção da banda aqui. Em 1991, eles tocam para 198 mil pessoas, no estádio do Maracanã, na segunda edição do Rock in Rio. Essa apresentação os colocou no Guinness Book como o maior público pagante, até o momento, em um show ao vivo. Morten conta na sua autobiografia que esse show foi o momento em que ele sentiu a transformação pelo qual a banda, e a sua vida pessoal, passavam; foi então que ele deixou de viver o conto de aventuras de um garoto para se tornar um homem3.
Em 1993, é lançado o precioso filme A-ha - Live in South America, gravado a partir de uma série de shows da banda na América do Sul, com direção de Lauren Savoy, esposa de Paul. Esse filme é belíssimo e, embora tenha acontecido muito perto do suposto final da banda, também representa o auge musical, estético e de popularidade do A-ha. Se você conhece pouco da banda, esse copilado de shows é um bom ponto de partida para caminhar além da Take on Me.
Outros trabalhos vieram depois dos anos 2000 totalizando 11 álbuns de estúdio até o momento. Em 2022, o trio lançou o disco True North, junto com o filme que documenta as gravações desse novo trabalho. No início do ano, eu tive o prazer de vê-los ao vivo em Assunção, no Paraguai. Foi maravilhoso e embora eu tenha amado a experiência, ainda não estou satisfeita e aguardo a oportunidade de vê-los novamente. Infelizmente eu não tenho UMA foto descente do show porque eu estava muito longe do palco, mas a acústica do local era ótima e posso garantir que o ao vivo deles é tão bom quanto as gravações de estúdio4. O motivo para eu ter ficado tão longe do palco é que fui até Assunção para ver a Miley Cyrus e acabei no show do A-ha, mas essa história fica para outro dia.
Assim como o Guns N’ Roses, o A-ha é uma banda importante para mim não apenas porque vejo talento neles, mas sobretudo porque eles me fazem sonhar. Viver é um saco, mas se não deixarmos o coração calcificar por completo, acabamos por descobrir que a paixão é uma entidade avassaladora e grandalhona que nos captura a qualquer momento. Meu eu adolescente está feliz por se reencontrar adulta por meio de sensações tão sinceras, leves e boas. É como uma abraço apertado capaz de transmitir aquele viço na pele e o brilho no olhar que a gente perde conforme cresce. No fim, é nossa habilidade de sonhar, atrelada as nossas paixões, que nos mantém respirando.
✨ curiosidades que ninguém pediu ✨
A música gravada pelo a-ha, Crying in the Rain, na verdade é um cover do The Everly Brothers cujo membro Don Everly, é pai de Erin Everly, umas das ex esposas do Axl Rose. O Whitesnake tem uma música que se chama Crying in the Rain. As minhas três bandas favoritas amarradas por um fio que eu inventei rsrs.
📀 minha pequena coleção de discos 📀
✨ e para finalizar ✨
É isso por hoje, tchau.
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O mini documentário The Making of Take on Me conta com detalhes essa história.
Coloquei o link da Amazon para adquirir o blu ray, mas o filme está disponível na grande locadora mundial. Foi lá que eu assisti.
Na autobiografia de Morten Harket, My Take On Me, o primeiro capítulo se chama Rio Parte 1 e o último, Rio Parte 2. Morten faz uma viagem entre sua infância, adolescência e a primeira fase do A-ha, começando e terminando em um momento de catarse no show do Rock in Rio em 1991.
Na edição Roger Waters, O Abominável Dr. Phibes, CPI da COVID & Power Metal, em que falo sobre alguns shows que já fui, simplesmente esqueci de falar do show do A-ha, só me dei conta dias depois. Que ódio.
muito bom o texto! aprendi quilômetros